Pesquisadora sobre gênero analisa o contexto feminino contemporâneo
Em alusão ao Mês da Mulher, realizamos uma entrevista com a professora Aline Adams, docente da área de Direito do IF Farroupilha - Campus São Borja, sobre o contexto feminino contemporâneo.
Aline é mestra em Ciências Criminais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, especialista em Ciências Penais pela PUCRS e graduada em Direito pela UFSM. Atualmente, junto com a função de docente, realiza Mestrado em Educação pela UFSM. Seu tema de pesquisa é a juventude feminina e a educação profissional integrada ao ensino médio, com foco para as relações em cursos historicamente masculinos.
1- Nos últimos anos, quais são as principais mudanças que você percebe em relação à posição da mulher no mercado de trabalho? E o que ainda parece ter resistido à mudança mesmo após as lutas feministas?
Inicialmente é importante lembrar que existe diferença entre o trabalho remunerado, aquele exercido no mercado de trabalho, e o não remunerado, aquele realizado nas atividades domésticas de cuidados da casa, dos filhos, dos parentes enfermos. Nesse aspecto, pode-se dizer que, desde os anos 70/80, progressivamente, as mulheres passaram a ampliar a sua ocupação nos espaços no mercado de trabalho, mas que, apesar disso, não diminuiu seu tempo de realização de atividades domésticas. Há um estudo (IPEA, 2013) que aponta que os determinantes do diferencial de gênero na duração das jornadas de trabalho são a proporção de pessoas que fazem trabalho remunerado e a duração do trabalho não remunerado. Ou seja, embora mulheres e homens estejam inseridos no mercado de trabalho em semelhante proporção, elas ainda são responsáveis por maior tempo de atividades domésticas, o que diminui a quantidade de tempo livre das mulheres em relação aos homens. Os dados indicam 20,6 horas/semana de trabalho doméstico não remunerado para mulheres e 9,8 horas/semana para os homens. Além disso, a divisão sexual do trabalho, com ocupações historicamente destinadas ao gênero feminino e outras ao gênero masculino, com especial destaque de remuneração elevada para as profissões “masculinas”, é uma importante pauta ainda de luta no movimento feminista.
2- Quais os maiores desafios que as mulheres enfrentam ao ocupar posições de destaque no ambiente de trabalho?
Algumas pesquisas demonstram as dificuldades que as mulheres no Brasil e no mundo encontram para ascender a posições de chefia. Prova disso é que, segundo o Relatório de Desigualdade Global de Gênero 2016 do Fórum Econômico Mundial, apenas em quatro países as mulheres estão em posição de igualdade em relação aos homens na quantidade de cargos de chefia, apesar de 95 países terem o mesmo ou maior índice de mulheres com diploma de curso superior. A equidade na ocupação dos espaços no mercado de trabalho também é um desafio já que, segundo o mesmo estudo, o Brasil ocupa a 87ª posição na presença de brasileiras no mercado de trabalho. Assim, 62% das mulheres brasileiras exercem trabalhos remunerados, enquanto que para os homens essa taxa é de 83%. Além de exercerem em menor número os trabalhos remunerados no Brasil, das mulheres que o fazem, a taxa de salário é de 11.600 dólares por ano, enquanto a dos homens é de 20.000 dólares.
3- Ainda existe um preconceito em relação ao fato de que a mulher não consegue dar conta de um cargo de chefia por ter que cuidar da casa, dos filhos e do marido? Ainda persiste a ideia de que a mulher, para ocupar um cargo de chefia, precisa abdicar de suas características femininas, até mesmo de sua vaidade, tornando-se mais masculinizada para poder ser respeitada pelos colegas de trabalho?
Certamente esse preconceito persiste e é fruto de uma sociedade estruturada a partir do patriarcado e fundamentada no machismo, na misoginia e no sexismo. No IFFar, os números demonstram que as mulheres estão em pé de igualdade no que se refere à quantidade de cargos de direção e chefia, uma vez que 49,1% do total desses cargos é ocupado por elas. Contudo, a realidade da nossa instituição, apesar de bastante igualitária objetivamente nas relações de gênero, não pode ser generalizada, vez que em muitos outros espaços as mulheres não ocupam cargos de expressividade pública. Um exemplo dessa situação é a inserção das mulheres na política. De acordo com o Mapa das Mulheres na Política de 2015 (ONU, 2015), o Brasil está entre os últimos colocados em uma lista de 188 países pesquisados no que diz respeito à participação feminina no parlamento. Ainda que a legislação eleitoral determine cotas para a o registro das candidaturas dos partidos políticos no montante mínimo de 30% de mulheres nas nominatas, isso não se reverte em candidatas eleitas, já que no Congresso Nacional a bancada feminina é composta apenas por 51 Deputadas Federais (9,94% das 513 vagas) e 13 Senadoras (16% das 81 cadeiras).
4- Esse tipo de preconceito vem apenas por parte dos homens ou também das mulheres, que julgam aquelas que escolhem se dedicar ao trabalho, às vezes até optando por não ter filhos? Em resumo, nós, mulheres, precisamos combater um preconceito que vem de outras mulheres também?
O machismo é estrutural em nossa sociedade, logo ele não é privilégio de ser praticado apenas pelos homens. Apesar das lutas das diversas ondas do movimento feminista, em suas diferentes vertentes e recortes, o machismo ainda é um desafio a ser combatido cotidianamente em todos os espaços, independente de identidade de gênero e orientação sexual.
5- Em termos de qualificação profissional, ainda há mais dificuldade para a mulher conciliar o trabalho com a vontade de continuar se aperfeiçoando (fazendo uma pós-graduação, por exemplo) do que para os homens?
Os dados da Pesquisa Nacional de Amostras por Domicílio de 2014 (PNAD), realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), demonstram que, das mulheres que exercem trabalho remunerado com mais de 16 anos de idade, 18,8% delas possuíam Ensino Superior completo, enquanto que esse percentual cai para 11% dos homens na mesma categoria. Além disso, as mulheres representavam 58% dos estudantes matriculados nos cursos de pós-graduação brasileiros, o que certamente evidencia que as mulheres, apesar das dificuldades de disporem de menos tempo livre em razão das atividades domésticas que ainda acumulam em maior número do que os homens, conseguem chegar em níveis mais avançados de estudos. O que resta discutir é que, apesar da legislação sobre cotas étnicas e sociais, ainda as mulheres negras, pobres e periféricas chegam em menor número aos bancos do ensino superior.
6- O que falta para que mais mulheres ocupem funções de chefia no ambiente de trabalho? De que forma precisamos avançar nessas questões em termos culturais, sociais e legais?
Penso que é importante pensarmos em termos de representatividade. É importante que os cargos de chefia sejam, sim, preenchidos levando-se em conta o gênero, etnia, orientação sexual, entre outros aspectos relativos à diversidade, já que vivemos em uma sociedade plural e multicultural. Por isso, não é justificável que não haja nenhuma mulher ocupante do cargo de Ministra de Estado no Brasil hoje. Para superar o machismo, é preciso que as mulheres sejam reconhecidas pelas funções que exercem e que sejam representadas. É preciso que enxerguemos mulheres ocupantes de cargos de chefia para que, em termos culturais, possamos nos apropriar dessa condição como uma possibilidade para qualquer mulher.
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