"O jornal não muda a realidade. Quem muda é a sociedade civil organizada", destaca Canellas
Sob a temática "educação popular - partilhando os bens do conhecimento, da ética e do compromisso", o IV Seminário Internacional de Educação Profissional do IFFar teve início na manhã desta terça-feira (9), em Santa Maria.
A conferência de abertura teve como primeiro palestrante o jornalista e escritor Marcelo Canellas, repórter especial da TV Globo e patrono da feira do livro de Santa Maria de 2017.
Conhecido pelo trabalho jornalístico focado nos direitos sociais e humanos, Canellas é especialista em dar visibilidade às feridas (muitas vezes, invisíveis) de nossa sociedade: fome, pobreza extrema, exploração infantil, trabalho escravo, conflitos pela terra, falta de escolas ou de saneamento básico... Percorrendo o Brasil e o mundo, em suas matérias, dá voz aos que não tem voz, aos esquecidos pelo sistema, com extremo profissionalismo e sensibilidade.
E como não poderia ser diferente, contou muitas histórias aos que acompanhavam a conferência – de encontros com famosos e anônimos às inquietações diante das mazelas da humanidade.
Busca permanente pela humildade intelectual
Empregando uma metáfora utilizada por Rubem Alves em uma das entrevistas que fez com o pedagogo, Canellas falou da dualidade que permeia nossa consciência para refletir sobre situações cotidianas.
“Ele [o professor Rubem Alves] me disse o seguinte: todo mundo tem dentro de si, convivendo lado a lado, o bichinho da exclamação e o bichinho da interrogação”. Por oras, somos mordidos pelo primeiro, que inocula o vírus da vaidade; por outras, pelo segundo, portador do vírus da curiosidade diante da vida e do senso crítico, explicou.
Um dos mais premiados repórteres da TV brasileira, ele vê a si mesmo nessa dualidade. “As pessoas dizem que sou um cara humilde, mas eu não sou humilde. Eu sou vaidoso. Mas eu tenho o senso do ridículo que evita que eu me torne um bobalhão e, mais do que isso, tem algo que eu persigo, e que acho que é uma aproximação do jornalista com o professor, que é a busca permanente da humildade intelectual diante do desafio do conhecimento”.
Uma das entrevistas mais desconcertantes da carreira
Para exemplificar esse esforço permanente pela humildade intelectual, o repórter falou de uma experiência que teve durante a produção da premiada série Fome no Brasil, exibida pelo Jornal Nacional em 2001.
Durante gravações no Vale do Jequitinhonha (região mais pobre do Brasil), Canellas se deparou com a lavadeira Maria Rita Costa Mendes, de "51 anos, mas parecia que tinha 90”. Ela mal conseguia se manter em pé. Parecia tão doente que a equipe precisou chamar uma ambulância. Enquanto esperavam socorro, Canellas relata que fez “talvez a entrevista mais desconcertante ao longo de quase 30 anos de carreira”.
O primeiro dos cinco episódios de Fome do Brasil, com a entrevista de Maria Rita, foi ao ar em 18 de junho daquele ano. O segundo, exibido no dia seguinte, veio com uma triste surpresa. Em casa, o repórter soube pela TV que a lavadeira havia morrido 15 dias após a passagem da equipe de reportagem. Causa da morte: falência geral de órgãos por desnutrição intensa.
Em estado de choque, a tragédia o fez questionar o sentido de seu trabalho. “De que adiantou eu trabalhar durante dois meses pra mostrar o problema da fome no Brasil, se a Maria Rita morreu?”. Para o repórter, foi um daqueles momentos em que o bichinho da exclamação vai embora e o bichinho da interrogação chega com intensidade: os elogios pelo trabalho não paravam de chegar, mas de que adiantavam?
Foi aí que ele chegou a um conclusão.
“Por mais poderoso que seja o telejornal, por mais influência que o jornalista possa ter, a gente não muda a realidade. Só quem muda a realidade (e é preciso humildade intelectual para aceitar isso) é a sociedade politicamente organizada. E eu acho que o professor muda mais a realidade que o jornalista".
Estimular a curiosidade pela vida pode ser transformador
Para provar seu ponto de vista, Canellas exibiu duas matérias inspiradoras. Uma, sobre a música que vem do lixo, e outra, sobre um “distribuidor de morangos” – para tomar emprestadas as metáforas de Rubem Alves novamente - que roda o mundo levando a leitura a lugares onde pessoas sequer conhecem um livro. Assim como os morangos à beira do abismo [do livro Os morangos], por meio dessas histórias, é possível enxergar esperança e alegria de onde só parece haver desesperança e dor.
Para Rubem Alves, explicou Canellas, distribuir morangos às crianças é ensiná-las a buscar o sabor da vida, e esse é o papel do professor e de pessoas como o segundo convidado da manhã: Maurício Corrêa Leite, ou "o homem da mala azul" (foto abaixo). Acompanhe a cobertura dos eventos integrados sobre educação popular no portal do IFFar.
Maurício Corrêa Leite, promotor de arte e cultura, foi o segundo palestrante da manhã.
Mais sobre Marcelo Canellas
Natural de Passo Fundo, ainda criança Marcello se mudou para Santa Maria, onde morou até terminar a faculdade de Jornalismo na Universidade Federal de Santa Maria, em 1987. O comunicador atua na TV Globo há 27 anos. É um dos jornalistas mais premiados no Brasil: em seu currículo, são mais de 40 prêmios. Em 2014, recebeu a comenda da Ordem do Mérito Judiciário do Trabalho, forma de o Tribunal Superior do Trabalho homenagear pessoas ou instituições que se destacam em suas atividades ou profissões.
Sobre o IV Seminário Internacional de Educação Profissional do IFFar
Até esta sexta-feira (12), o Seminário é realizado em conjunto com o XVIII Congresso e o XXVI Seminário Internacional de Educação Popular do Mobrec e o IV Seminário Internacional do CPERS Sindicato. Os eventos integrados acontecem no Clube Recreativo Dores. Confira a programação completa em https://goo.gl/l0Jxat
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